Ainda mais sobre o projeto “Palavras no Tempo”:


Todas as aventuras têm uma história, acontecimentos e personagens. Esta também. Três seres humanos buscam, de forma aberta, um tudo nada mais de nitidez, frontalidade e clarificação, passos importantes para a ação. Alfredo Dinis (1952-2013) e João Paiva, um padre jesuíta e um leigo crente, escreveram o livro Educação, Ciência e Religião (Gradiva, 2010). Joaquim Aniceto Carmo, um não-crente curioso, reconheceu na abordagem da obra uma abertura generosa de crentes, também para não crentes, que lhe fez lembrar os tempos da revista O Tempo e o Modo, que o alimentou de cultura dialogante nos anos 60 e 70. O Tempo e o Modo propunha-se estimular diálogos na fronteira da catolicidade, num tempo de censuras delicadas. E fez muito por isso!

As questões que se colocam ao Homem, hoje como ontem, ultrapassam, não raras vezes, as fronteiras espácio-temporais da realidade e da própria ciência. O tempo e o modo são, precisamente, os sinais desse tempo e desse espaço que partilhamos e que queremos compreender melhor. Deste memorial facilmente se chega a Alçada Batista e à sua coluna de crónicas “O tempo nas palavras” do jornal A Capital, que, desde os anos 70, foi tecendo. Em 1973, Alçada Batista compilou em livro parte destas crónicas. O estilo próprio saído daquela pena era o da delicadeza acutilante, que provocava mudanças e mesmo ruturas, numa certa continuidade, dançando com o lápis azul.

Pretendemos recuperar parcialmente a ideia de “O tempo nas palavras”, com uma nuance no título. O nosso projeto, alavancado pela obra acima referida Educação, Ciência e Religião, será PALAVRAS NO TEMPO. A inversão significa ver e dizer de outro lado, agora que mais tempo passou e outras palavras são ditas e escritas, ora de mais ora de menos.

As circunstâncias proporcionam-se: à ditadura política de então segue-se, agora, alguma ditadura da superficialidade, do consumo e do esmagamento informacional. Espaços para a reflexão, para o diálogo e para a ação continuam urgentes. Outros homens, velhas e novas inquietações. A crença e a não crença são dois ângulos diferentes que olham o mesmo mistério. Somos feitos para a busca. Crentes e não crentes instalados entenderão este projeto como irrelevante.

Em 1963, foi lançado o primeiro número da revista O Tempo e o Modo. Alçada Batista e outros, então chamados “católicos progressistas”, lançavam a semente que, a bem dizer, mantém atualidade. No editorial, não assinado, como símbolo de consenso, lê-se: «Sem que isso constitua uma desmedida ambição, desejávamos tentar formular algumas perguntas e experimentar algumas respostas que polarizassem a ansiedade geral que paira sobre o tempo comum […] Gostaríamos que […] fosse suficientemente forte para abalar muitos anos de apatia e descrença; suficientemente honesto para merecer alguma confiança; suficientemente humano e verdadeiro para poder unir aqueles a quem o Homem e a verdade preocupam; suficientemente convincente para poder despertar alguma esperança». Que mais desejar, meio século depois? A coincidência com o Concílio Vaticano II, tão promissor mas ainda tão distante da realidade, é impressionante.

Os cadernos publicados em O Tempo e o Modo abordavam temáticas como «Deus, o que é?» ou «o casamento». As coisas do Céu e da Terra, portanto, como que contemplando na ação. Vasco Pulido Valente, no número 24 de 1965, escreve: «Católicos e não católicos». São recuperáveis as suas palavras, para explicitar o nosso objetivo: «Neste diálogo difícil, que, como já foi dito, é o “tempo e o modo”, convém que as partes se expliquem e que se expliquem bem. Que se expliquem para que se entendam.»

As palavras no tempo pretendem homenagear o propósito do nascimento do tempo e o modo, mas, acima de tudo, o seu percurso e legado, com toda a sua riqueza, sem abdicar de nenhuma das suas fases, 1963-1967, 1967-1974, 1974-1977. Não desperdiçaremos nenhum dos seus ensinamentos, e particularmente o erro do monolitismo político do seu ultimo período, reafirmando e praticando, sem ingenuidades, que todos os disponíveis para dialogar, sem exceção, terão lugar de opinião neste projeto.

Falando ainda em homenagens, é imperativa uma palavra a Alfredo Dinis, co-autor da obra Educação, Ciência e Religião, que precocemente nos deixou. Na procura lúcida de novos trilhos da filosofia e das suas relações com a ciência e com a religião, interessou-se e entregou-se ao diálogo e à escuta, sobretudo de não-crentes, sobre, ao fim e ao cabo, um pouco de tudo. Promover o livre pensamento e o debate argumentado é continuar a sua memória, a sua vida e o seu trabalho.

Com PALAVRAS NO TEMPO, nada mais se pretende que um bom diálogo para robustecer a ação. O mesmo inspirado por Teilhard de Chardin, tão citado por Alçada Batista e ainda hoje tão inspirador. Chardin convida-nos a libertar as dicotomias, as do mundo e as do espírito, as do princípio e do fim, as do corpo e as da alma, as do universo e da Criação, as dos crentes e dos não crentes. Chardinianamente, dir se-ia: sempre em evolução! Procuramos as “palavras”, neste “tempo” em que as múltiplas propostas precisam de se ouvir, de se questionar, de fluir na dialética entre o Eu e os Outros, agora que temos mais liberdade [aparente?] de expressão. Quebrar dicotomias e dialogar é evoluir, e é essa ponte, precisamente, a Páscoa prometida que falta na Terra.